Flip 2018: o resgate de escritores desperdiçados


Quais autores precisam sair do silenciamento e ganhar atenção da crítica e dos leitores? E por quais motivos teriam sido silenciados? Foi ao redor de questões como essas que a pesquisadora e professora Lígia Fonseca Ferreira e o escritor Ricardo Domeneck se debruçaram na mesa "Poeta na torre de capim", a primeira desta sexta-feira (27.07), mediada por Rita Palmeira. 

Lígia contou de sua pesquisa sobre o legado de Luiz Gama, poeta negro do século 19, ex-escravo, republicano, advogado, jornalista e ferrenho defensor de direitos civis. “Ele foi o primeiro escritor negro do país.” Domeneck falou de seu mergulho, como editor e leitor, nos escritos poéticos de Hilda Machado, contemporânea de Ana Cristina César – a Autora Homenageada da Flip 2016. “Assim como Hilda Hilst, Hilda Machado foi uma mulher dona de seus próprios passos. Nesta Flip, mulheres livres e corajosas estão sendo celebradas”, comentou ele.

Comparados por Rita Palmeira a “dois garimpeiros de poetas e autores importantes”, Lígia e Domeneck comentaram aspectos das obras de Gama e Machado no Auditório da Matriz. A pesquisadora mencionou o pioneirismo intelectual de Luiz Gama e sua falta de reconhecimento. “Bem como Martin Luther King, Luiz Gama tinha um sonho e repete isso em várias cartas. Como Luther King, lutou por igualdade, foi preso, perseguido. Queria um país sem reis e escravos.” E acrescentou: “Negro, no século 19, era um sinônimo da palavra escravo. Em vários poemas, Luiz Gama marca esse lugar de fala. Contrariamente à Hilda Machado, ele adorava um palco discursivo. Fala sobre como quer ser visto, algo bastante transgressor.”

Para Domeneck, o país precisa refletir para que uma geração de escritores não seja desperdiçada. “Muitos poetas que deveriam ser lidos, que poderiam transformar as vidas das pessoas agora, caíram pelas brechas.” Após criticar o estudo da literatura no Brasil – realizado a partir de escolas literárias e seus representantes, deixando o texto em segundo plano –, fez um apelo por um jornalismo cultural investigativo “para descobrir o que há de melhor”. Por fim, citou “o racismo, a misoginia e a homofobia” como outros silenciadores.

Exaltando a obra de Luiz Gama, defendeu que autores do século 19 são importantes norteadores para o Brasil atual. “O país não parece ter mudado muito de lá para cá. Os escritores daquele período seriam melhores guias do que os aclamados modernistas, que têm um tom celebratório não faz sentido hoje”.

Após ler versos de Hilda Machado, avaliou a obra da poeta: “A Hilda tem algo raro na poesia brasileira, a combinação da lírica com a sátira. Ela tem um humor autodepreciativo.” Domeneck organizou em colaboração com Ângela Machado, irmã de Hilda Machado, o livro póstumo Nuvens, publicado pela Editora 34 em 2018.

Muito aplaudida pelo público, a dupla encerrou a mesa com fôlego. Domeneck exaltou a Autora Homenageada: “Hilda Hilst pode ser um antídoto contra esse conservadorismo cafona que tomou conta do país”. Em sua fala final, Ligia trouxe à tona a participação da mãe de Luiz Gama em revoluções do século 19 e apontou: “Luiza Mahin nasce no depoimento de Luiz Gama, o filho que dá luz à mãe, o símbolo de todas nós, mulheres negras do Brasil”.

Fonte: flip.org.br

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