"Quase Música" - Márcio Antoniasi


Sentou-se na soleira da porta. Violão no colo. Queria compor algo. Não sabia bem o quê. Ensaiou um blues melancólico que morreu antes da terceira nota. Tentou, em vão, um acorde menor, chorado. 

Dedilhou, mas nada soava completo, nada traduzia o que se passava por dentro. A cena era angustiante de se ver. 

As pernas se debatiam freneticamente, os olhos se perdiam com facilidade no tanto-faz de um móvel qualquer. Estralou o pescoço, os dedos, e voltou a movimentar as pernas com certa insanidade. 

Encostou-se no batente. Olhou para o violão esperando uma resposta, um diálogo, mas ele não veio. Pensou, então, numa letra. Talvez algo escrito fizesse brotar uma melodia ou, quem sabe, um acorde, seja lá qual for. 

“Você que é e que não é, e mesmo não sendo, muito me mudou!”, escreveu. 

Finalmente algo concreto nisso tudo... Mas isso não era que havia por dentro. Talvez “vazio” expresse bem o que se passava. Talvez! 

Solidão, essa palavra que não descreve nada e que, ao mesmo tempo, retrata todo um escuro e silencioso palácio de espelhos. 

Essa sensação de que a liberdade é um fardo pesado demais pra se carregar. 

Olhou novamente para o violão. Quem sabe, agora, houvesse conversa. Não, não houve. 
A postos novamente, tocou firme um sol maior pra tentar animar. O som ecoou seco e se perdeu ao longe. Quis chorar, contudo mesmo as lágrimas lhe fugiram. 

Sentiu-se, então, num limbo existencial, como se nada mais fizesse sentido. Ergueu-se, encostou o violão na parede e foi tomar uma água. 

Ao abrir a geladeira, no entanto, percebeu que não tinha sede, apesar da boca seca. Pegou caneta e papel e voltou mais uma vez à soleira. 

Virou de costas para o violão, apoiou o papel e passou a escrever sem direção: 
“Alheio ao tempo, eu chego à estação sem saber se o trem já partiu ou se ainda nem chegou. Desconfio, aliás, que não exista trem algum”. 












Márcio Antoniasi
(Texto apresentado no Sarau dos Amigos - Ilhados em 22/02/2019)

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