Manifesto TUPI



Por Marcos da Cruz


“Não é a primeira vez que 

profetizam nosso fim; 

enterramos 

todos os profetas” – 

Ailton Krenak


Eu sou Tupi Nasci assim sem vírgula ponto ou qualquer acessório Nasci feito um curumim que corre nu pela mata enquanto Tupã ri Nasci dos sons de passarinhos dos rangeres das árvores dos assobios dos ventos que me indicavam o caminho. Ops, deixei escapulir um ponto, uma vírgula e aos poucos estava assim: normativa. Começaram a filosofar sobre mim: Tupi or not tupi, that's the question. Disseram que era preciso proteger a língua mãe. Deram-me um gênero. Nomes? Tive vários, tais como: língua brasílica, língua geral, língua geral amazônica, tupi, tupi clássico, tupinambá e tupiniquim. Além disso, me enquadraram em pequenas páginas e chamaram de linguística. Eu ri. Mas, depois veio o esquecimento, o lamento, o português e a norma. Reservaram um pequeno espaço no calendário para comemorar um dia que já era meu. Por isso, cansada de ser nome de praça, rua ou estátua vim reivindicar os direitos dos filhos meus. 


Tem gente dizendo que estou em desuso. A verdade é que estou na boca do povo toda vez que alguém diz: abacaxi, Acre, Amapá, amendoim, açaí, aipim, Anhembi, Aracaju, Araguaia, Araraquara, araponga, araçá, arara, Araxá, Avaré, caatinga, caju, capim, carijó, pajé, Paiaguás, Pará, Paraíba, Paraná, pereba, Pernambuco, Piauí, pitanga, pindaíba, saci, Roraima, Sergipe, tamanduá, tatu, tapioca, Tocantins, urubu, Urubupungá, xará e xavante. Se fosse elencar todas as palavras do teu vocabulário que dei à luz ficaríamos num diálogo eterno. Tudo que Nhanderuvuçu criou tem um pouco de mim.  


Veja! Sou fecunda. Múltipla por natureza. Abrigo para novos idiomas que encontraram em outras terras novas formas de linguagem: abadá, afoxé, axé, acarajé, agogô, angu, balangandãs, bambolê, banguê, banto, banzar, baobá, batuque, berimbau, birita, bitelo, cachaça, caçamba, cafofo, cafundó, caxangá, macumba e saravá. De repente, sem comunicar espetaram estacas e cercaram com arames um pedaço pequeno de terra. Chamaram de reserva indígena. Sangrei por dias e meu lamento formou um rio que apelidei de Paraná. Semelhante ao mar deixei as águas escoarem sobre as veias da terra. Meus filhos lutaram e lutam bravamente para não perder a sua Tekoá (aldeia) e fizeram questão de registrar a resistência do seu povo e a identidade por meio de seus nomes, preservando assim, por meio da literatura e oralidade as histórias da sua comunidade: Ailton Krenak, Célia Xakriabá, Cristine Takuá, Cristino Wapixana, Daniel Mundurukuru, Daiara Tukano, Eliane Potiguar, Ely Macuxi, Renata Machado Tupinambá, Raoni Metuktire, Sônia Guajajara e tantos outros que ainda tentam adiar o fim do mundo com suas palavras de sabedoria. 


Hoje, mesmo ferida e queimada grito por essa selva. Onde meus ancestrais foram eximidos. Mas, meus guerreiros se materializam na suçuarana, na onça pintada, na jiboia, no carcará e, em todo animal que sabe quando é preciso matar ou viver. Podem tentar silenciar nossas tradições, mas, jamais vão conseguir. Porque o sangue que corre em tuas veias é vermelho igual esta terra que leva o nome de uma árvore e que acima de tudo nasceu das divindades da natureza. Tu tens sangue de Guaranis, Ticunas, Caingangues, Macuxis, Terenas, Guajajaras, Ianomâmis, Xavantes, Pataxós, Potiguaras, Boróros, Guatós, Jês, Karajás, Krenáks, Maxakalis, Ofayés, Rikbaktsas, Yatês, Arikéms, Awetís, Jurúnas, Mawés, Mondés, Mundurukús, Puroborás, Ramarámas, Tuparís e Tupi-Guaranis. O que arde em mim há de arder em vocês. Como podem os Homens destruírem a terra se a terra é os homens? 


Marcos da Cruz

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4 Comentários

  1. Verdade...muito bom. Maria Ivanilda

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  2. Maravilhosa reflexão em tempos de resgate dos direitos dos nativos! Hoje, a convivência no Brasil não ser tratada como conveniência, mas da cidadania com decência. Abraços.

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