100 anos modernos

Por Fabiana Alves

Em fevereiro passado, há 100 anos, São Paulo vivia a Semana de Arte Moderna, rompendo, propondo e provocando o estado de arte conservadora da época. No Brasil de hoje, mas especificamente na São Paulo pós-moderna, a cena cultural tem oferecido uma agenda comemorativa que busca trazer para a coletividade parte dos trabalhos que celebraram a brasilidade evocada pelos artistas e intelectuais da época. Passando pela Pinacoteca, pelo Centro Cultural Banco do Brasil e Fiesp, exposições alusivas expõem obras referenciais do movimento e apresentam uma reflexão, não esgotada, mas que permanece viva e que demanda debate.

Aquém do redirecionamento dos olhares que a Semana de 22 propôs sobre brasilidade, também somos provocados a revisar e refletir sobre os legados e as narrativas que se originaram e se desenvolveram. A partir de questões relacionadas ao cotidiano, ao território, a identidade brasileira, a arte foi manifestada pelas formas, estéticas, sonoridades e cores dos artistas modernistas, contudo, sem a presença da negritude brasileira e comunidade indígena como falante. O olhar era do outro. A Antropofagia celebrada foi marcada pelos recortes sociais inerentes à época. 

Como mulher negra, visitando algumas das exposições que reverenciam a Semana de Arte Moderna, não pude deixar de pensar sobre onde estaria em 1922. De fato, enquanto a cena artística e cultural passava por uma efervescência que aludia a identidade brasileira, protagonizada pelos filhos da elite cafeeira, o brasileiro encontrava-se alheio. 

No entanto, não há como descartar as contribuições para temas que são tão importantes atualmente, como decolonialismo, gênero, movimentos identitários e relações de classe, que com frequência se debruçam e se fortalecem a partir da Semana de Arte Moderna. 

Antônio Cândido, em Literatura e sociedade, nos acrescenta que “O Modernismo rompe com esse estado de coisas. As nossas deficiências, supostas ou reais, são reinterpretadas como superioridades”. É nessa perspectiva que olho para a Semana de 22, como um evento que contribui para a descontinuidade de uma estética excludente e que abre o tabuleiro no campo do discurso e da arte para discussão sobre representação e arte, sobre lugares de fala e de olhares, e que permita que eu, uma mulher negra, discorra sobre a Semana de Arte Moderna.


CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976 


Imagem ilustrativa: Operários - Tarsila do Amaral (1933)


Fabiana Alves é produtora cultural, pedagoga e comunicóloga.

Postar um comentário

2 Comentários

  1. Fabiana, super forte em todos os sentidos! Parabéns! Tu és digna e representante de cada palavra! Show! Emocionante! Aplausos rm pé!

    ResponderExcluir
  2. Uma reflexão sobre aquela semana em 1922. Parabéns.

    ResponderExcluir