A caixinha de música



Por André Santana

Ela passou, mas eu a vi apenas através das grades de madeira. Tentei me equilibrar no chão fofo, coberto de lençóis, mas logo me desequilibrei e caí sentado. Olhei pra cima e vi aquele tecido branco, rendado, que transformava tudo num enevoado. 

Novamente a vi passando por entre as grades. Por mais que aquele chão fosse instável, vê-la me passava uma inconfundível sensação de segurança. Se ela estava ali, todo o meu mundo fazia sentido. Mas aí ela sumiu de novo e lágrimas brotaram pelos meus olhos. Tentei novamente olhar para cima, mas aquele objeto colorido que girava me confundiu. Ao menos, as lágrimas cessaram.

Mas senti sua presença novamente. Ela vestia uma roupa solta, leve e colorida. Mesmo entre as grades de madeira, dava para sentir aquele colorido invadir meus olhos e me transmitir paz. Notei quando ela se sentou diante do espelho e escovou os cabelos pretos com o pente amarelo.

Vi quando ela segurou um objeto retangular e o abriu. Não dava para ver direito, mas parecia que uma bailarina em miniatura havia saltado daquele objeto prata que brilhava. A pequena bailarina girava enquanto aquela música invadia meus ouvidos.

Aquela música me deixava triste. Sua melodia, embora bela, era melancólica. Enquanto ela escovava os cabelos e a bailarina girava, eu chorei de novo. A canção despertava uma lembrança que não existia, mas estava ali. Doeu, mas não aquela dor que eu sentia quando caía no chão. Era algo tão intenso quanto, mas diferente. 

Ela retirou dois pequenos objetos brilhantes daquela caixinha, colocou-os nas orelhas e, em seguida, a fechou. A bailarina sumiu e a música cessou. De repente, ouvi apenas meus próprios gritos desesperados. Ela se aproximou e me tirou detrás daquelas grades de madeira.

O enevoado se foi, assim como a dor. No colo dela, eu sentia apenas paz. Sua voz me acalmou. Eu sabia que ali eu estava seguro. Era o melhor lugar da vida.


André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural.

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