O sertão que conheci era assim

Por Dolores Barbosa



Eram casas 

De pau-a-pique 

Cheias de frestas!

É certeza que a lua

Por ali fazia festa!

Era o meu sertão! 

Nas noites enluaradas, terreiros iluminados, as crianças e a moçada sempre achavam o que fazer.

Das brincadeiras inocentes,

dessas que estão esquecidas,

pique-esconde e passa anel

sempre estavam presentes.

Eu só observava!

Naquele sertão,

onde a distância era medida em léguas, eram os cavalos o meio de transporte mais viável para escoar a produção  e  buscar na cidade mais próxima os mantimentos que a roça não produzia. 

E nessa brincadeira, entre a ida e a volta, meu pai levava três dias!

Era o sertão do Mato Grosso que ainda não era do sul! Era apenas o Mato Grosso que, no pé da Serra da Bodoquena e na beira do rio Campina, famílias numerosas cultivando a esperança produziam o que comer.

Mas nem sempre a terra dava o que prometia!

Tudo era dificultoso para aqueles sertanejos! 

Era uma terra teimosa a ser vencida na base da foice, do machado, da enxada e do enxadão.

O arado era puxado pelo cavalo, mas a máquina plantadeira, para distribuir as sementes no chão, ah! essa era levada na mão!

Assim sobrevivia o povo  do meu sertão!

Em suas veredas não tinha cangaço nem jagunço como no de Guimarães Rosa! Também não tinha fome nem seca como no de Raquel de Queiroz! Mas tinha o cearense maluco, assustando as crianças com seu facão; tinha o Mané Pernambuco, o verdadeiro homem do saco, que vivia dizendo que ia me levar. E eu, como qualquer criança naquela situação, acreditava! 

Ah! Como tinham coisas incompreensíveis na imensidão daquele pedaço de chão! Sob o olhar daquela menina que deixou tudo para trás, aos cinco anos de idade, tudo ali era incomensurável!

Depois de mais de quarenta anos, já despida da inocência,  retornei ao mesmo lugar com três dos meus sete irmãos, Dalva, Ruy e José e...cadê o meu sertão?  tudo se transformou em pasto!  Apenas o rio e a serra estavam lá para nos receber!  Ele me pareceu um riacho, mas ela toda florida, com seus ipês rosa, permanecia imponente e majestosa apesar de sua  inescrupulosa exploração pelas grandes corporações.

Do sertão que eu conheci sobraram somente as histórias, guardadas e preservadas

em meu baú de memórias.


Dolores Barbosa

30/04/2023

Postar um comentário

0 Comentários