A resistência feminina em três contos de Marilene Felinto

Por Edilva Bandeira

 

Nada é mais uma coisa definida, nada é um caminho sem ziguezagues. Tudo é turvo.

Marilene Felinto

A produção e circulação da literatura escrita por mulheres tem avançado a passos lentos, mas firmes nas instâncias de poder que dominam a produção, circulação e legitimação da literatura no Brasil como editoras, universidades, mídia e crítica especializada.

Na narrativa e na poesia o volume da produção das mulheres aumenta inexoravelmente, seja com publicações pelas grandes e pequenas editoras, sejam auto publicações impressas, em blogs, sites, apresentações em saraus, slam, feiras e festas literárias.  

Essas mulheres que escrevem atualmente são narradoras e poetas dos diferentes lugares do Brasil levantando suas vozes e falando na prosa e no verso de questões contemporâneas que afligem as mulheres e toda a sociedade, como violência contra a mulher, machismo, opressão, misoginia, mercado de trabalho, gravidez, sexualidade, envelhecimento e muitas outras questões que oprimem e interditam a vivência feminina. 

Marilene Felinto não é uma jovem autora, estreou na literatura em 1982 com o elogiado romance As Mulheres de Tijucopapo, obra premiada com o prêmio Jabuti daquele ano.

Os contos objetos da análise desse trabalho estão publicados no livro Contos Reunidos, auto publicação de 2019, por ocasião de sua participação vigorosa e elogiada na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty)

Os contos Ilsa, Vanilsa, Valdaísa; Grávida como minha mãe e Embalagem para presente, narram vivências de mulheres cercadas por interditos representados por violências, objetificação do corpo feminino e opressão que se manifesta contra as mulheres em diferentes épocas e espaços. 

Os três contos são narrados em primeira pessoa. No primeiro conto Ilsa, Vanilsa, Valdaísa, a  personagem principal, uma índia Caeté não tem nome próprio, é nomeada apenas como Tia da narradora-personagem, que admira a alegria e delicadeza dela em meio a vida sofrida pelo trabalho pesado em fábricas de cimento e tecido que enfrentou durante a vida. Já o segundo  Grávida como minha mãe, encontramos um enredo organizado tendo como fio condutor o questionamento  sobre o destino de parideira imposto a mulher e a violência e servidão que o peso de carregar um útero impõe. Em Embalagem para presente, a narradora-personagem é uma prostituta que se vê como presente de aniversário enviado a um cliente. Identificando-se como objeto de uma rifa, de um jogo de azar da vida, ela se questiona e relembra a dor e a solidão que sente em sua condição de prostituta.

O professor da Faculdade de Letras da UFRJ João Camilo Penna (2019), no prefácio da coletânea Contos Reunidos, afirma que os contos mostram não apenas a talentosa escritora revelada nos romances, eles confirmam Felinto como grande escritora da geração de narradores que surgiram na década de 80.

A coletânea reúne contos inéditos e reedições de contos publicados em Postcard (1991).

Marilene Felinto é mulher negra e nordestina, posiciona-se publicamente sobre questões políticas e sociais que afetam o país, especialmente aquelas ligadas ao racismo, machismo e discriminação contra mulheres, sejam elas   negras, brancas ou indígenas. Sua literatura denuncia a situação de opressão e marginalidade em que vivem às mulheres pobres, a margem do mercado de consumo e dos valores considerados tradicionais das famílias brasileiras como casamento e determinados comportamentos esperados das mulheres, como o não uso livre de seus corpos.

Em A Literatura e a formação do homem (1972) Antônio Candido, aponta a literatura como manifestação artística que transfigura a realidade para relatar as experiências e investigar a identidade e o destino humano.

Ao construir suas personagens femininas, seja em romances ou contos, Felinto cria mulheres rebeldes que brigam, gritam, choram de frustração e não se conformam com um suposto e opressivo destino reservado a mulher.

Nos contos  objetos da análise desse trabalho, Marilene Felinto, transfigura a realidade para investigar a identidade e relatar o destino, vivências dessas mulheres desamparadas, subjugadas, mas que lutam pelas suas autonomias e liberdade. 

Resumo:

Nesses três contos, Felinto narra as vivências e resistências de mulheres, que vivem plenamente, ainda que precariamente, possíveis destinos que lhes são reservados pela sociedade patriarcal em que elas estão inseridas. A construção das personagens femininas é marcada por memórias, questionamentos e a busca para entender seus lugares no mundo em meio aos papeis de trabalhadoras, mães e prostitutas que lhes são impostos. Os três contos trabalham com a memória e com o tempo presente. As personagens se recusam a entregar-se a um possível destino reservado às mulheres.

Edilva Bandeira 

10/05/2023

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