Memória de am(d)or(es)

Por Igor Micheletto

Certa vez, li um conto de um livro indicado por um amigo, Marcos da Cruz. O livro foi escrito por Caio Fernando de Abreu e carrega seu título em letras garrafais: Morangos Mofados. Quando Marcos me apresentou este livro, disse-me profundamente que o título remetia a metáfora dos morangos se mofando e a destruição dos sonhos e das expectativas. E por assim dizer, sinto que Caio se jogou em diversas experimentações dentro deste livro e uma delas foi o amor.

São vários os contos que tocaram a minha pele, o meu íntimo e o meu âmago de diversas formas e aspectos. Mas aqui, queria comentar um pouco mais sobre o conto chamado Além do Ponto

Sinto que Caio se retrata aqui como uma pessoa que perambulava pelas ruas, em um tempo chuvoso. Muito chuvoso, diga-se de passagem. Sua mente e seu corpo cheios de expectativas para se encontrar com o amado. Em suas mãos, um conhaque que se arrebentou ao chocar com uma pedra durante o caminho. E o corpo não sentia apenas o frio das expectativas, como também a água gelada que esbarrava sob ele, tornando-o aparentemente gélido. 

Durante sua caminhada, Caio se mostra confuso, mas esperançoso que seu amado abra a porta de sua casa e o receba calorosamente. Quando finalmente Caio chega ao seu ponto final, a porta da casa de seu amado, ele bate incessantemente para que a porta se abra. Sua esperança era que a porta se abrisse e atrás dela aparecesse o seu amado para o receber calorosamente, depois de uma longa caminhada sob uma chuva gélida. Ele continuou batendo, batendo e batendo naquela porta que não se abriu nunca. 

Cada vez que abro o livro de Caio para ler este conto, em diversos momentos da minha vida, penso nas diversas facetas do amor. Quando li a primeira vez, lembro que o conto me proporcionou uma tristeza profunda por Caio que “gastou todas suas fichas” com aquele amor. E talvez essa tristeza fosse por mim também, pelas situações que vivenciava no momento. Quando reli o conto antes de escrever aqui sobre ele, Caio me passou a profunda coragem de se jogar nas experimentações do amor. 

Sentindo a coragem de Caio, ouvi os timbres de Maria Bethânia ressoando em um dos meus ouvidos: “prudência, não me venha falar em prudência, as paixões que me descontrolaram são as que fizeram eu ser como sou”.

Mas também ouvi Bethânia cantando outra canção no outro lado, em meu outro ouvido: “o amor soprou de outro lugar para derrubar o que houvesse pela frente, tenho que te falar, essa canção não fala mais da gente”

Talvez o amor seja esse jogo de experimentações. Essas transmutações na epiderme e na derme. Esse perigo constante. O sentimento confuso entre coragem e experimentações. O limbo entre a paixão e o amor.


Igor Micheletto

21/05/2023

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