Memórias literárias - para pensar um futuro ancestral 

Por Luana Guimarães

Quando Ailton Krenak diz que “o futuro é ancestral” ele nos alerta que não teremos futuro sem o resgate das cosmovisões sustentáveis do passado, o que é um ponto de partida fundamental para pensarmos na direção que estamos caminhando, no que o mundo está se tornando e o que estamos plantando e deixando para os próximos que virão, quais as memórias que estamos revisando, quais estamos deixando fazer parte de nós e o que plantamos para os que virão, evidenciando a necessidade do resgate de vínculos sensíveis com a memória dos povos passados.

Grada Kilomba em Memórias da Plantação (2020) indica a necessidade urgente de epistemologias com novas perspectivas teóricas, visando a desconstrução da teoria centralizada na história do ocidente como único produtor de saberes válidos, denunciando e apresentando a necessidade de escutar novas perspectivas e sujeitos, é com ela que aprendemos a importância de descolonizar o pensamento, de transformar a margem em espaço de criatividade e resistência, repensando o mundo no qual estamos inseridos. Os Griots, guardiões das palavras, muito ensinam sobre a importância da proteção e manutenção da tradição, são eles quem contam, narram e transmitem a história de um povo para as gerações futuras, são guardiões da memória da história oral de um povo ou comunidade. 

Aprendemos com Conceição Evaristo em Olhos d’água  que  “é vivendo, se vendo e vendo o outro como partícipe que mantém seu olhar pairando no passado e no presente, questionando-se sobre o futuro” que podemos refletir sobre a construção de novas epistemologias, também é com Carolina Maria de Jesus, mulher negra, semianalfabeta, catadora de papelão e uma das escritoras mais lidas do Brasil, que é sim possível tratar de  temas como educação de qualidade, moradia, emprego, reforma agrária, entre tantos outros temas, mesmo que contrariando todas as estatísticas.

Maria Firmina dos Reis, primeira autora de romance abolicionista em toda a língua portuguesa, símbolo de resistência e luta contra a escravidão, nos mostra que a história não deve ser apagada, mas sim lembrada, que mesmo com todo o apagamento histórico continua sendo uma das pioneiras na denúncia da opressão a negros e mulheres, Firmina ainda revive em nossas memórias e é influência de muito do que é produzido.

Quando pensamos em um futuro que é ancestral, é com o intuito de dizer que ele é a fonte de vida, de sabedoria, de pertencimento, de criatividade e da formação de identidades, é o fio que tece passado, presente e futuro, que forma uma teia de relações que conecta essas memórias literárias que são ancestrais, esses atravessamentos, fazem um pedido e nos coloca um desafio, resgatar nossa humanidade. Essas memórias que me formam como escritora, mesmo em momentos distantes, falam sobre quem fui, quem sou e participa da construção de quem serei, mas além disso, é também em casa, no afeto da mãe, da avó, das irmãs e de tantas outras pessoas, que estruturo a base de todas as memórias que construo.

Pensar em todas as produções existentes e histórias contadas que vieram antes de cada um é entender que há algo dentro de cada pessoa muito maior, um caminho que já vinha sendo traçado de várias formas, inclusive culturalmente. É entender que o futuro é ancestral.


nossa luta, arte e cultura

transbordando por aí

reafirmando a luta 

de mãos dadas 

com todos que estiveram por aqui

se há um futuro

que ele seja ancestral

Como diz Ailton

porque só assim podemos habitar

Ao lado de Conceição e Grada 

em um lugar livre para sonhar

Aprendendo com os Griots, Maria, Carolina, Firmina 

E com tantos outros 

Em um futuro ancestral pensar


Luana Guimarães

07/05/2023

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